Conheça nossas redes sociais

Notícias

14 de julho: 100 de nascimento do psiquiatra George Alakija

15 de julho de 2021

“O centenário de doutor George Alakija se configura como de relevância extraordinária pelos relevantes serviços prestados à psiquiatria baiana e brasileira, o que motivou a titulação de sócio honorário outorgada pela Associação Psiquiátrica da Bahia em 4 de abril de 2002, quando do cumprimento dos seus 55 anos de honrosa e ética prática profissional. O ato solene festejava o reconhecimento dos psiquiatras baianos ao seu ilustre colega, pelo seus logros intelectuais, científicos e artísticos, validando o desejo de criar o novo a partir do conhecimento da trajetória de um colega mais experiente”, diz Iordan Gurgel, médico psiquiatra, ex-presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia.

Entre a segunda metade da década dos anos 90 e a primeira década do século 21, George Alakija era o mais antigo e um dos mais representativos psiquiatras em exercício na Bahia, como recorda o médico legista e ex-presidente do Instituto Bahiano de História da Medicina, Lamartine Lima. Ele ocupava a cadeira número 34 do IBHM, cujo patrono é Juliano Moreira. “A sua presença constante, como titular, ouvinte, comentarista e conferencista do instituto enriquecia as reuniões e também as sessões da Academia Bahiana de Médicos Escritores, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e também de outras entidades culturais e científicas das quais ele participava”.

O médico psiquiatra José Caribé comenta que, na década de 40, George Alakija já era um dos mais referenciados médicos em Salvador. “Ele era o único que utilizava a hipnose como instrumento auxiliar nos processos psicoterapêuticos”, diz o médico. “Com ele muito aprendi acerca das melhores formas de cuidar dos pacientes, orientar suas famílias e de eleger as mais eficientes estratégias de tratamento”.

Para o psiquiatra e psicoterapeuta Bernardo Assis, George Alakija foi um percursor da Psiquiatria transcultural. “Junto com Rubim de Pinho, foram os psiquiatras na Bahia que estabeleceram conexões com nosso universo cultural e anímico”. Ele também ministrou vários cursos para médicos de Treinamento Autogeno de Schultz em sua associação com a hipnoterapia, contribuindo para a divulgação no país de métodos psiquiátricos não farmacológicos”, completa o médico.

“Alakija foi o pioneiro da hipnose clínica na Bahia. Ele é um marco para a psiquiatria no estado”, diz a médica psiquiatra Rosa Garcia. “Ele era um psicoterapeuta que demonstrava profundo conhecimento do pensamento freudiano; ele exercia a psiquiatria dentro de um modelo dinâmico, assim como a psicanálise, valorizando os sentimentos e o desenvolvimento emocional do paciente”. Outro aspecto enfatizado pela médica é o da sua cultura geral e humanística. “Com certeza o aspecto cultural influenciava o seu trabalho e sem dúvida isso fez com que ele contribuísse também para a Psiquiatria transcultural”.

“Nada mais justo e necessário que manter viva a memória de Alakija e seu nome junto à comunidade baiana”, opina o psiquiatra Augusto Conceição, fundador da Associação Brasileira de Psiquiatria Cultural (Regional—Bahia). Dessa forma, o psiquiatra faz um chamamento aos profissionais da área para refletirem sobre os conhecimentos científicos desenvolvidos pelo médico e o de seus antecessores, que tinham diferentes olhares sobre a cultura.

George Alakija (à direita) com o ativista Raimundo Bujão e o então Ministro da Cultura da Nigéria, Ojo Maduekwe, em 1999 / Reprodução

Legado

O psiquiatra baiano deixou um legado de experiências e contribuições à área médica através de conferências e artigos especialmente sobre a psiquiatria e a hipnose publicados em revistas científicas e acadêmicas. Ele publicou dois livros: Hipnose Pitoresca (1980), interfaciando Sofrologia; e Feche os Olhos, Relaxe e Durma (1992). Alakija publicou também A Casa da Lapinha (2002), uma referência ao primeiro serviço ambulatorial psiquiátrico da Bahia fundado em 1944 e do qual ele fez parte como interno e depois como profissional–antes só havia o Hospital Juliano Moreira, fundado em 1874 e que funcionava como manicômio. Quando faleceu, Alakija estava escrevendo um terceiro livro sobre hipnose, que deixou inacabado.

Outro trabalho da sua autoria “The Trance State in the Candomble – A Sophological Study” (“O Estado de Transe no Candomblé – Um estudo Sofrológico”) remota a conexão entre as suas experiências clínicas psiquiátricas com a hipnose e regressão e a diáspora africana. Na obra, apresentada no Colóquio Civilização Negra e Cultura, em 1977, em Lagos, na Nigéria, o psiquiatra reconhece o transe ritualístico (e também o mediúnico) como similar ao estado hipnótico.

Uma posição antagônica nas ciências médicas que historicamente viam esses fenômenos como patológicos––um olhar da cultura hegemônica. Na época de apresentação desse trabalho, o médico cumpriu uma missão cultural à frente de uma delegação de cientistas, intelectuais e artistas afro-brasileiros no Festival Mundial de Artes e Cultura Negra. Por conta dessa missão recebeu da presidência da República, a Comenda da Ordem do Rio Branco no grau de comendador. Em 2003, uma comissão de representantes da Sociedade Igbimo Agba Yoruba, de Oyo (Nigéria) veio especialmente à Bahia para agraciá-lo e conferiu a ele o título de membro do conselho de anciãos da entidade, uma deferência feita exclusivamente a pessoas de origem ioruba acima de 60 anos.

Bio

George de Assumpção Alakija nasceu a 14 de julho de 1921 em Salvador, estado da Bahia, e faleceu a 11 de junho de 2005. Foi o primeiro médico psiquiatra formado pela primeira turma da Faculdade de Medicina da UFBa (1946) e o único a exercer a Psiquiatria. Alakija construiu uma trajetória própria interfaceando a medicina, psiquiatria e hipnose com a cultura. O médico baiano atravessou a fronteira dos conhecimentos da medicina ocidental como um estudioso da medicina e filosofia oriental. Ele agregou a seus conhecimentos a conexão entre psiquiatria e espiritualismo. A memorialização dos seus cem anos representa também a celebração do avanço da medicina moderna, da psiquiatria, da hipnose e da conexão dessas disciplinas com novas leituras da sociedade baiana e sua cultura a partir da primeira metade do século 20 ao início do século 21.

*Texto de múltipla autoria, publicado no site Flor de Dendê

Compartilhe: