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Artigo: “Fadiga por compaixão – o que sente quem cuida” – Consa. Maíra Dantas

Por Maíra Dantas, médica intensivista, especialista em gestão em saúde, coordenadora do Curso Bioética, Ética e Direito Médico do Exercício Profissional da Universidade Federal da Bahia, conselheira do Cremeb e do CFM.

29 de abril de 2021

Publicado no Jornal A Tarde, em 29 de abril de 2021.

 

A dedicação exaustiva a qualquer atividade desempenhada pode levar à fadiga. O desvelo continuado em acolher, compreender, confortar e consolar outrem poderá levar profissionais da saúde à condição de estresse secundário e ao nível máximo de exaustão física e mental, conhecido como “fadiga por compaixão”. Curiosamente, a palavra fadiga deriva do latim fatigari que significa fazer desabafar. Enquanto compaixão se refere ao sentimento piedoso de simpatia para com o infortúnio alheio, acompanhado pelo impulso altruísta de minorar esse sofrimento, num exercício de compreensão e ternura

Diferentemente do que muito se apregoa, os profissionais de saúde não são frios ou insensíveis. Ao contrário, sofrem e choram às escondidas, a fim de manter o equilíbrio necessário, aos que precisam de força e apoio.

A pandemia da Covid-19 revelou o desconhecimento, por grande parte da população, das rotinas desgastantes por que passam esses profissionais, em sua labuta diária, a partir do momento em que foi impelida a adotar regras sanitárias, protocolos de segurança semelhantes e a assumir responsabilidades para com os cuidados a terceiros.

Assim, a fadiga da compaixão, que era exclusiva de alguns, transformou-se numa doença comum a todos, de gradações variáveis conforme o construto psicoemocional, perdas, dores e rede de apoio em que estão inseridos.

É importante o reconhecimento precoce de que, em alguns casos, o estresse traumático secundário pode alcançar conotação patológica, demandando assistência profissional especializada, suporte psicoterapêutico e medicamentoso. O enfrentamento sistemático da questão talvez possa mitigar sequelas psicoemocionais advindas da súbita mudança do padrão social de comportamento, aliada aos medos e inseguranças de um cenário prolongado e pleno de incertezas.

Servir é um privilégio; ser servido é também; mas ambos acarretam custos.

Malgrados todos os esforços empreendidos em Programas de Controle Médico de Saúde Ocupacional na tentativa de proteger colaboradores da exposição ao vírus e ao risco de contágio, dificilmente conseguirão blindá-los totalmente.

Bem a propósito, cansaço origina-se do termo náutico campsiare, que significa dobrar a rota, contornar uma ponta de terra com desgaste e riscos adicionais imprevistos. Por essa razão, considera-se um compromisso de cidadania nos dias atuais, investir na difícil e imprescindível busca da sustentabilidade pessoal conceituada sumariamente como capacidade de satisfazer necessidades pessoais presentes, sem comprometer a existência de futuro. Quanto mais investirmos no autocuidado, mais pouparemos os outros da condição de cuidadores, trazendo equilíbrio para a alternância inerente à existência, entre cuidar e ser cuidado ao longo da vida.

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